O texto que se segue tem como ponto de partida a constatação de uma ruptura teórica importante no âmbito dos estudos relacionados à sociologia do corpo. De fato, em contraposição a parte da cultura modernista, a História da sexualidade de Michel Foucault marca uma nova atitude filosófica com relação ao erotismo. Ali se afirma que o pudor, a repressão da sexualidade, não é mais a forma como se exerce controle sobre os corpos; o próprio erotismo foi confiscado pelas estratégias biopolíticas de nosso tempo. Com a psicanálise e o surrealismo, todavia, acostumamo-nos a pensar que o erotismo seria uma rota de fuga das jaulas de ferro da modernidade. Foucault teria razão? A julgar pela reflexão em torno do pudor que nos propõe Derrida em O animal que logo sou, não. O pudor seria uma experiência ontológica de liminalidade e diferença semelhante àquilo que Freud teorizou como Unheimlichkeit. Como tal, ele seria humanamente incontornável. Neste ensaio, assumiremos tal linha de argumentação para indagar: certas experiências contemporâneas de intervenções tecnológicas sobre o corpo (cirurgias plásticas estéticas, uso de estimulantes sexuais) traduzem uma nova forma de viver o pudor?